quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Resoluções de ano novo, vida nova

Lehgau-Z Qarvalho

E esquiavam sobre gelo fino. A salvação estava na velocidade, pensava. Quando a qualidade nos trai, tendemos a buscar a desforra na quantidade. Sim, era isso mesmo, certificava-se a cada volta em cima do lago. Dava-se conta, a cada manobra, que, na própria essência, o desejo era um impulso de aniquilamento. Algo autodestruía-se sob seus pés, a cada manobra. Sim, de olhos fechados, dando voltas sobre o mesmo ponto, os braços bem abertos, pensava: ele, o desejo, é contaminado, desde o seu nascimento, pela vontade de morrer. Esse é o seu fim. Para isso nasce; para isso existe; mas disso, nem ele sabe.

Já o amor, por sua vez, é a vontade de atentar; de preservar o ser/sentimento cuidado. Agora ia ziguezagueando. A face corada pelo vento frio das tristes premonições. Custara a querer enxergar, mas não mais podia livrar-se de algo já tão claro. Tão transparente. Tão diante de si. Sim, o amor: um impulso que se move ou faz mover em direção oposta ao eixo de rotação, ao contrário do axípeto desejo. Um impulso de expandir-se; ir além; alcançar o que está lá fora. Comer, ingerir, absorver e assimilar o sujeito no objeto, e não vice-versa. E não tal qual o desejo. Sim, arrepiou-se, o contato com outras paragens, outros ares, outros calores, outros frios, outros fluidos, outras moléculas, nos faz menos nós; mais todo mundo.

Quando a lágrima chegou ao chão, estraçalhou-se feito vidro fino.

Um comentário:

Unknown disse...

Muuito legal, gostei muito da sensibilidade da lágrima e do vidro.
Um beijo
Marzie